Em 1962, os leitores norte-americanos estavam cansados dos super-heróis com origem alienígena, poderes impossíveis e falta de identificação com os leitores da época. Para dar uma nova vida aos q uadrinhos, o mestre Stan Lee ouviu as novas exigências e criou um herói diferente que, apesar dos superpoderes, estudava, tinha problemas na família, não era popular na escola e enfrentava também os dilemas de como usar seus poderes com responsabilidade. É lógico que estou falando do popular Homem-Aranha, que estreou no número 15 da revista Amazing Fantasy em 1962.
Nesses mais de 40 anos de histórias e aventuras, muita coisa aconteceu na vida de Peter Parker: a mordida da aranha radiativa, a morte do Tio Ben, três namoradas, a morte de uma delas, um casamento, uma filha desaparecida, os inimigos que insistem em não morrer, um Duende Verde, outro Macabro, mais um Demoníaco, simbiontes alienígenas, clones, a volta dos mortos-vivos, enfim, foram muitas histórias clássicas e outras nem tanto. O grande problema é que, se um leitor novato, que acabou de assistir aos filmes (leia a resenha do segundo filme) ou aos desenhos do personagem (aqueles produzidos pela Fox nos anos 90), pegar um gibi do Aranha não irá entender bulhufas pois tudo segue uma ordem cronológica mais ou menos regular e imagina correr atrás de 4 décadas de acontecimentos?
Para tentar colocar ordem na casa, a Marvel Comics, criou o selo Ultimate onde recriou a origem dos seus principais personagens (e isso inclui nosso amigo aracnídeo) para uma nova geração de leitores, que começou a acompanhar as histórias de seus heróis recentemente e não tem obrigação nenhuma de saber, por exemplo, que no final das contas Ned Leeds não era o Duende Macabro (mencionei esse acontecimento porque fiquei com raiva dessa história quando ela foi publicada no Brasil há 6 anos).
Logicamente, a Marvel não é estúpida e apenas reproduziu alguns dos antigos acontecimentos para a nova geração. Mas em determinadas origens, como é o caso do Homem-Aranha, tivemos algumas sensíveis alterações que podem resultar em bons frutos ou não, dependendo apenas do ponto de vista.
Os leitores devem entender que agora temos duas revistas do Homem-Aranha em circulação: uma que segue a história original e outra que recomeçou tudo do zero, porém com algumas mudanças. Para se ter uma idéia das alterações, até mesmo a famosa frase “grandes poderes trazem grandes responsabilidades” foi alterada para um discurso completo sobre o tema.
As diferenças na história original já começam logo nas primeiras páginas. Peter já vive uma espécie de romance adolescente com Mary Jane, coisa que não acontecia na versão original, a ruiva era apenas a terceira namorada de Parker (depois da secretária Betty Brant e de Gwen Stacy).
Outra diferença é que a aranha que picou Peter não é mais radiativa, mas geneticamente modificada. Essa alteração é bem vinda, pois aranha radiativa combinava muito bem com o período da Guerra Fria (o conflito psicológico entre os EUA e a União Soviética que perdurou na segunda metade do século XX), mas não faz muito sentido hoje em dia. Ah sim, e a aranha era propriedade de um experimento secreto da Oscorp, nada a ver com a versão original. Aliás, a associação entre a origem do Homem-Aranha e o Duende Verde (continue lendo para entender) é algo que os roteiristas estão querendo há bastante tempo, afinal nada melhor do que ligar a origem de um herói com a de seu principal inimigo, mais ou menos como aconteceu também no primeiro filme do Batman.
Dos personagens já conhecidos, temos Peter, o tio Ben, tia May, Mary Jane, Flash Thompson, Norman e Harry Osborn (a primeira mudança, já que os Osborns e MJ só apareciam anos depois da estréia do aracnídeo no gibi original).
Alguns personagens clássicos também dão as caras em pequenas participações: o futuro Dr. Octopus, Otto Octavius, aparece como um cientista a serviço da Oscorp. O Capitão Stacy, pai de Gwen, a segunda namorada de Peter Parker na cronologia original e a protagonista de uma das cenas mais chocantes das histórias em quadrinhos, (quando é covardemente morta pelo Duende Verde), e o eterno editor J. J. Jameson também fazem apenas uma ponta.
Bom, já que mencionei um pouco da nova história, vamos fazer uma sinopse: Peter Parker é um adolescente de 15 anos, que mora em Nova Iorque com seus tios idosos. Estudante brilhante, mas tímido com as garotas (como todo nerd), ele conquista o coração da jovem Mary Jane pelo seu “charme”, porém não consegue evoluir muito o relacionamento pois não é exatamente um expert em relacionamentos.
Um dia, durante uma visita com o colégio às indústrias Oscorp, propriedade de Norman Osborn (pai de Harry, o melhor amigo de Peter), nosso querido nerd é picado por uma aranha geneticamente alterada.
Pouco a pouco, Peter ganha poderes extraordinários, e começa a usá-los sem muito controle, sob a identidade de Homem-Aranha, mas o que parecia uma benção se torna uma maldição quando seu tio é cruelmente assassinado por um ladrão que o Aranha havia deixado escapar horas antes por acreditar que não era um problema seu.
Ao mesmo tempo, o inescrupuloso Norman acompanha o desenvolvimento dos superpoderes do rapaz, ou seja, já sabe desde o começo da história quem é o Homem-Aranha, ao contrário da história original. Ambicioso, decide aplicar em si mesmo um soro modificado do mesmo tipo de aranha. Os resultados dessa vez são catastróficos.
Bom, como você já deve ter imaginado, o Duende Verde também dá as caras no gibi, mas de uma forma totalmente diferente. No original, o que temos é Norman, sob os efeitos de um soro que dá superforça, fantasiado de duende, azucrinando a vida de Parker. Na versão Ultimate, Norman, quando injeta o soro dos poderes, se transforma em um monstro com chifres e pele verde. Por isso somos levados a deduzir que ele é o Duende, já que não veste mais uma fantasia e o nome desse novo “ser” não é revelado. O pior é que o novo Duende não fala sequer uma frase, mais ou menos como o Hulk (em sua versão tradicional) e se limita a murmurar “Parrrrrker” quando está lutando com nosso herói. Nada do planador morcego também, pois nosso Duende-Hulk-Verde dá superpulos.
Mas entramos no grande problema dessa nova gênese: a falta de alguns roteiros clássicos no confronto entre o Homem-Aranha e o Duende Verde, apenas para citar esse exemplo mais óbvio. Quem acompanhou a cronologia original deve se lembrar da saga onde o Duende Verde descobre a identidade secreta e puxa o Homem-Aranha sem a máscara com o jato morcego pelos céus de Nova York para depois se revelar Norman Osborn em um dos momentos mais legais de toda a série.
A morte de Gwen Stacy também não deverá acontecer, pois a personagem sequer dá as caras por aqui, embora apareça em edições posteriores do Homem-Aranha Ultimate. O problema é que Parker já tem uma namorada...
Essa edição especial da Panini reúne as primeiras sete edições da revista Ultimate Spider-Man que saiu nos EUA entre Outubro de 2000 e Maio de 2001. De lá para cá muita coisa aconteceu com a revista, mas pelas sete primeiras edições, pode-se entender que esse reinvestimento na origem do Homem-Aranha foi bem sucedido. Especialmente por focar bastante a vida do jovem nerd, seus conflitos com a família e seus questionamentos sobre os poderes. A morte do tio Ben, em especial, ficou bem próxima da versão original, porém muito mais dramática. Uma diferença muito bem vinda nesta versão é que tio Ben chega a ser desenvolvido como personagem, ou seja, não morre logo no início como na história original. Essa opção do roteirista dá ao leitor a possibilidade de se afeiçoar ao personagem e chorar junto com Peter a sua morte, mesmo sabendo desde o começo que o personagem morreria em breve.
Os traços de Mark Bagley são muito bons e rejuvenesceram bastante o Homem-Aranha que, pela primeira vez, parece realmente um garoto de 15 anos. O artista gosta de brincar com ângulos diferentes de visão e um visual “nerd moderno” de Parker e o roteiro de Bill Jemas, apesar de um pouco lento, explora algumas características dos personagens que só surgiriam décadas após suas introduções.
No total, temos 196 páginas por um preço tabelado meio salgado de R$ 18,90. O veredicto final é o seguinte: se você se cansou das confusões da série original ou for um leitor novato no universo do Aranha, vale a pena comprar a revista e dar uma nova chance ao herói. Caso contrário, corra em um sebo atrás das histórias clássicas que já foram republicadas várias vezes e podem ser encontradas por um preço mais razoável.
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